sexta-feira, 12 de setembro de 2008
Cinco da manha
Cinco da manha e não conseguia dormir.
Sentia o corpo cansado, a cabeça pesada, os olhos quentes a arder, quase a lacrimejar mas nem lágrimas caíam.
Vesti a roupa que estava pendurada na porta do quarto, sem sequer ligar ao que era, calcei umas sapatilhas e desci até ao carro.
Sentia-me em câmara lenta embora descesse as escadas com alguma velocidade.
Acendo o cigarro e procuro nos bolsos as chaves do carro.
Abri a porta, sentei-me, abri o vidro e pus-me a conduzir sem destino.
Passei a cidade sonolenta como se nem eu lá estivesse… vazia.
Acabaram-se os candeeiros e só os faróis do carro iluminavam o caminho na ausência de um céu sem estrelas nem luar.
Nem sei se tinha o rádio ligado ou não, a única coisa que ouvia era o vento a entrar pela janela a bater-me violentamente na face.
Acabei por parar num qualquer tasco à borda da estrada onde estavam estacionados alguns camiões. Eles também a dormir.
Ao entrar, o cheiro a suor ressequido misturava-se com o das bifanas que estavam constantemente a ser cozinhadas.
Olhei em redor, vi as mesas de madeira ainda com migalhas e molhadas das cervejas entornadas.
Ao canto da sala, estavam umas quatro prostitutas que tinham acabado o seu serviço nocturno. Caras artificialmente alegres, gargalhadas sonoras e embriagadas como se ainda estivessem vestidas da farda do trabalho a que se predispõem.
Desprezei-as por completo.
Avancei até ao balcão.
O jovem funcionário olhou-me de alto a baixo como se soubesse que eu não fazia parte daquele quadro.
“Bom dia. O que é para o senhor?” -perguntou ele
“Jameson”- foi a única coisa que lhe respondi.
Enquanto esperava pelo meu copo, notei dois policias que estavam ao canto do balcão, à medida que comiam trocavam sussurros e olhares matreiros a olhar para as putas que ainda não se tinham calado, óbvios pensamentos sujos que segredavam entre eles.
Escapou-se-me um sorriso mudo de repreensão e abanei a cabeça em desaprovação.
Notaram a minha reacção e pararam por instantes com as piadinhas. Fixaram em mim o olhar como se metessem medo ou quisessem impor respeito.
“Coitados” pensei eu, “mal sabem de nada”.
Um casal que estava da outra ponta do balcão chamou-me a atenção.
O que pensava eu que era um casal, não passava de um cliente e de outra prostitua. Esta mais velha que o costume e demasiado embriagada para ser perceptível. Tão embriagada estava que mal começou a comer a sopa que tinha pedido, às custas do velho cliente, se levantou de mão na boca a regurgitar o pouco que fosse que tinha no estômago.
Já de copo na mão, olho para o lado e qual o meu espanto quando uma das que estava na mesa do canto se veio sentar ao meu lado. O cheiro a perfume barato enojava-me.
“Mas vim a um tasco ou a uma casa de putas ?”, pensei para mim mesmo.
Do nada, ela vira-se para mim e diz:
- Olá! Tudo bem?
Nem me dignei a responder, mostrando apenas um sorriso amarelo.
-Nós vamos fazer uma festinha. Quer vir?- perguntou ela com a maior naturalidade enquanto pousou a mão na minha perna.
-Uma festa?- perguntei eu
-Sim! Uma festa! Não quer vir?
Olhei bem para ela: pele morena, já queimada do tabaco. Pintura exagerada e já meio tirada. De vestes reduzidas com o decote bastante acentuado e mini-saia que mostrava umas longas pernas.
Ao notar que estava a olhar ela acrescentou enquanto deslizava com a mão para a minha braguilha:
-150 euros!
Ao que eu perguntei “150euros? Para que?”
- Para fazer-mos a festa claro! - retorquiu ela.
Respondi a olhar nos olhos:
- Eu não tinha levado dinheiro nenhum mas se, por todas, querem pagar 150euros eu não digo que não.
Levantou-se ofendida e foi ter com as colegas.
Os polícias continuaram a olhar sem perceberem o que se tinha passado.
Paguei, levantei-me e saí.
Enquanto me dirigia para a porta, elas olhavam de uma forma agressiva para mim como se me quisessem bater. Não resisti em gargalhar. Putas…
Fui para casa e dormi as duas horas que me restavam antes de ir trabalhar.
Voltarei lá noutro dia…
By Moon_T
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9 comentários:
Caro Moon,
Quase que me atrevia a dizer que isso foi uma noite na TwilightZone... Realmente há noites muito estranhas!
Wierd Regards,
Olá :)
Podes não acreditar (e mesmo tendo em conta que este tipo de textos serão ficcionados), quando leio este tipo de relatos tenho uma sensação estranha de que se passam noutro planeta ou noutro mundo onde eu (talvez felizmente) nunca entrei.
Digo felizmente porque o que me fizeste (tão bem) visualizar é demasiado feio.
Beijos :)
Senti o ambiente criado por ti, senti o cheiro a tabaco e ouvi os riso estridentes...
Senti ainda o teu desdém e desprezo por quase todos os elementos!
Se senti isto tudo é porque transmitiste bem a tua ficção real ou realidade ficcionada!
beijinho para ti.
O menino levanta-se tarde (eram cinco da manhã, aconteceu isto tudo e ainda dormiu duas horas...)
Mas ok, ok...não tinha dormido, tem desculpa ;-)
Brincadeiras à parte, adorei mais uma vez. Senti-me lá e como não quero lá voltar, "gritas" baixinho o nome para eu saber que "não vou por aí!"?
Bj
"mal sabem de nada". e tu de coisa nenhuma.tentativa falhada de curar insónias à custa de um jameson mal saboreado. há ambientes que nos reconfortam e que apesar de não os procurarmos parece que estão pré destinados.por vezes é na miséria humana dos outros que deixamos de ter a nossa própria miséria.e cento e cinquenta euros por desamor também não muito obrigada.
Essa é a vida que vive lá fora, na noite, quando as pessoas que não fazem parte dela se dedicam a abraçar seus sonhos.
Essa deve ser a vida das pessoas que já desistiram de ter sonhos para sonhar...
Faz pensar numa historia de filme tipica e digna de Tarantino (Los Desesperados), ambiente de tasco pouco frequentavél, mas adoraria ver a tua cara frente as profissionais que te abordaram, tenho que confessar que no fundo tem a sua piada...
Beijo
Touch
Mais uma noite aqui, que saboreio as tuas palavras... hoje, por excepção, nem sequer o cigarro acendi. Os meus olhos esbugalhados fixaram cada letra, não pelo que formaria em conjunto com outras tantas, mas pela intensidade que sentia ao final de cada linha.
Teria mil e uma hipóteses para adivinhar qual seria esse lugar... talvez lá estivesse em tempos que não me apetecia dormir ou em tempos que dormir não fazia parte da minha vida.
As mesas e o velho balcão de madeira... os polícias, as prostitutas, os chulos... os rostos vazios de personalidades duvidosas e nós ali sentados tendo uma única certeza:
'Só sei que nada sabem'!
Gostaria de estar aqui a noite inteira a escrever para Ti...
Volto amanhã.
Um beijo. Meu.
P.S.: Teria feito mais sentido assim. E assim dceveria ter sido. Erro, colapso, distracção, falha. Uma outra versão. Outra visão. (N)uma diferente perspectiva. O desconhecido, o oculto, o enigma, o mistério. Segredos apenas NOSSOS. Deslizes e pistas eliminados. Falta de atenção na autênticação. Assunto esclarecido.
Agradeço a estima.
Guarda outro beijo.
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