domingo, 28 de março de 2010

Vício


Ainda te tenho o cheiro
Como um qualquer perfume caro.
Provo-te nos minutos
Guardados em mim.
Ainda te sinto a pele na ponta dos dedos,
O teu veludo na língua
E no meu peito o teu cetim.
Saboreio-te pelos dias,
Aguardo as noites em que me deito
No leito onde te estiraste
Para poder voltar a cheirar
O perfume que em mim deixaste.


Moon_T

segunda-feira, 22 de março de 2010

filho

Hoje lembrei-me do filho mais velho. Lembrei-me com nostalgia. Como me aquecia, morno. E como ainda me aquece lembrar-me dele. Recordo quando o vi pela primeira vez, tão pequeno. E como o amei desde o inicio. Aquecem-me as memórias das suas brincadeiras desajeitadas, da troca de carinhos, dos nossos arrufos. Aqueço. E depois as minhas ausências. Que tinham de ser, porque a vida assim o exigia. E como a sua mãe me contava o quanto ele me sentia a falta. O quanto ele me queria. Que quase chorava quando eu partia. E nessas alturas, o como eu ficava orgulhoso. Custava, mas ficava orgulhoso de saber que gostava dele como ele gostava de mim. Sabe tão bem sabe-lo. Redimia-me daquelas vezes que lhe ralhava e nos chateávamos, ou mesmo das alturas que não lhe ligava porque não estava para ralhar, só porque não. Na redenção, dava-lhe carícias, e doces, e prendas, mimos gratuitos que sempre tiveram troco. Sempre.
Custou-me quando saí de casa. Custou-me mais ainda quando, saído de casa, o soube doente. Morri mais um pouco quando o quis ver, e por muros e barreiras intransponíveis, levantados pela dor infantil de adultos, não lhe consegui tocar. Nunca mais. Nunca pensei que fosse algo demasiado grave, pois todos sabiam o quanto o gostava e nunca me esconderiam algo relevante. Errado.
Liguei para lhe ouvir a voz. Para falar. Para saber dele. Para ele saber de mim. Sempre quis saber. E sempre nada. Sempre me lembro dele e sempre gosto dele.
Lembro-me de o ver com o mais novo a brincar. Inseparáveis, os rufias. O mais novo, com os dentes tortos desde sempre, com as brincadeiras ruins, a aleijá-lo, e ele nada. Pacifico. Que rufias, os dois.
No natal o telefone tocou. Era grave afinal. Estava doente, dizia ela a chorar. Era grave e nada me disse. E morreu. Morreu. Quis ofendê-la. Queria lhe bater. Não me disse. Não me deixou vê-lo. Nem uma última vez me deixou vê-lo. Nem para me despedir. Nem me despedi. Não o vi pela última vez. Morreu. Morreu e nem o vi pela última vez.
Lembro-me de ti, filho. Não me esqueço. Quero a minha última vez.
Não me esqueço.





Moon_T

quinta-feira, 18 de março de 2010

Passados dias a saudade intensifica

Passados dias, a saudade do toque intensifica. Assaltam os sonhos. A sede do sabor que cresce ao minuto. O suave toque aveludado das linguas a enrolarem-se, o cheiro dos cabelos no peito, o calor dos corpos unidos. O teu corpo…
Grita a saudade de percorrer as tuas curvas com as mãos fartas de pele. De morder os mamilos no eco de um gemido. O som do ar a ser sugado por entre os lábios, enquanto me perco entre as coxas que se me roçam na face. O sentir do teu sabor nos lábios, a invadir-me o corpo. Os mamilos a descerem-me o peito, como carícias, como beijos do teu corpo no meu, até ao fechar dos olhos.
A mistura perfeita de saliva e sémen.
O sentir do húmido convite do teu sexo ao meu. O rasgar do silêncio ofegante com as unhas nas costas e os dedos no pescoço. As pontas dos dedos que escorregam pelo suor da noite em busca de nós. Em busca dos corpos que se perdem e se misturam.
O perder o Norte na entrega total, quando se entregam os corpos no interior um do outro.
Passados dias, meses, anos, grita-me a saudade e sei que te quero.









Moon_T

segunda-feira, 15 de março de 2010

morte




morte com letra minúscula. Pequena. Daquelas mortes que se morrem aos poucos. Que valem muito. Que valem tudo. Mas de que nada valem. Quantas mortes pode um homem morrer, pergunto. Conhecem-se tantas mortes, de tanta gente, tantas. Morre-se aos poucos. Morrem-se as pessoas em nós e nós nas pessoas. A morte gasta-se, pergunto. Vai-se gastando. Vai nos gastando.
Morre-se; morreu jovem quando partiu da terra para a guerra, morreu e fez-se homem. morreu quando os pais morreram e levaram uma parte com eles. morreu quando o filho saiu de casa contra a revolução e foi para o estrangeiro. Por cada vez que voltava morria mais um pouco. Morriam ambos. morreu a esposa, senhora já de idade, como ele, e lhe morreu mais um grande pedaço quando viu que o seu marido já não acordava. Com ele morreu um pedaço da esposa, do filho no estrangeiro, e da filha que já tinha morrido tantas outras vezes como o irmão. Teve um filho. Filho único. De um pai que morreu ao selar a carta de despedida quando abalou. Que morreu dois anos e voltou. Que lhes morreu um tanto; à mãe e ao filho, que morreram sem aviso. A mãe que morreu umas vezes e umas vezes foi morrendo com o espaço e o tempo que passaram. E o filho que morreu e saiu. O filho que foi viver e foi morrendo. Que morreu quando morreu por uma vida. E morto esteve meses. Meses que foi morrendo; pelo gargalo, pelos dias, pelas noites, foi morrendo. E morto levou algumas mortes consigo. Foi morrendo e nasceu de novo. Nasceu novo, depois da morte. Nasceu-lhe nos olhos e no sorriso. Nasceu-lhe nos olhos negros. Olhos negros que matam. Nasceu de novo e vai morrendo com os dias. Morrem no beijo. Vão morrendo. Matam.
A morte é isso; são os dias que passam. Os dias que acabam em noites. E as noites inteiras que acabam nos dias. A morte é aquela lágrima que cai sem se ver. É a resposta que não chega. A morte é as palavras que não se dizem. As palavras que não se ouvem. A morte é as palavras que se ouviram. É a voz sorrateira na nuca que invade e questiona, sem nunca haver resposta. A morte. Sente-se. Sabe-se. E como morro.
A morte é todos os dias. Morre-se ao viver. Morre-se a viver. Sempre. A morte é uma pergunta. Quantas mortes pode um homem morrer, pergunto



Moon_T

quarta-feira, 10 de março de 2010

O que escrevo são sombras do meu pensamento




“ O que escrevo são sombras do meu pensamento. Ecos. Fragmentos de ecos que se soltaram pelos corredores ocos da alma obscura. Nunca perceptíveis no seu todo. Nunca o suficiente para as traduzir no papel. Nunca a sombra completa. Nunca tudo.
O que escrevo são apenas os fragmentos de sombras que a minha mente me permite entender. Sombras que são como o reflexo disforme do que é. Como um espelho distorcido num corredor de uma casa de espelhos numa qualquer, macabra, feira popular.”




Moon_T

terça-feira, 2 de março de 2010

Insomnia

Sei bem que não é fácil abrir os olhos naquele quarto vazio, escuro. A sensação de os abrir e manter o breu presente numa ausência de tudo.
A inércia que nos envolve e nos aquece numa conciliação de nada com o tudo que não existe à nossa volta.
O ouvido no peito e a palpitação latejante nas têmporas que se faz ouvir por entre os ecos de uma memória sem glória… inglória… não há glória.

Uma perfeita e tépida dormência que nos abraça pelos cantos obscuros da nossa alma deturpada, outrora virgem.

Não é o dormir que assusta.
Não é no acordar que reside o receio.
O que apoquenta, é precisamente este meio-termo.


Moon_T

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