segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Céus, as saudades que tenho da inocência...

sábado, 26 de junho de 2010

Perdoar é divino

A.Nova que me desafiou, à espera de um sentido que se perdeu por entre minutos soporíferos.   




Perdoar é divino,
Dizem.

Desafia perdoar o que não há.
Desafia o que não tem perdão.
O desafio é perder.

Está velho.
Velho e cansado.
Já não tem sangue
Agora, em vez de sangue
São memórias que lhe correm nas veias
Que se arredam das cicatrizes fundas
Que as entorpecem.
Memórias a preto e branco
De luas diurnas.
Os cabelos branqueiam a cada solavanco do ponteiro do relógio que finge já não ver.
Firmam-se-lhe os vincos na face
E a flacidez na pele e aqueles papos nos olhos
Está velho,
Velho
Demais para perdoar.

Depois da noite se lhe abater nos olhos
E as velas do bolo se derreterem como cobertura de açúcar barato
Sem chamas, sem sopros.
Depois de os ossos deixarem de bramir,
Depois talvez.
Depois de sentir,
Talvez,
Mas agora não.

-Perdoar é divino,
Dizem.
E não será pois por um qualquer desafio que existe ou passa a existir
Que apaga ou será
O perdão.
O Falso.
O Grosseiro.
O pérfido perdão.
E não será pois pelos amores em segunda mão,
Ou pelos abraços fechados, sorrisos solitários
Nem pelos beijos corruptos,
Nem gritos nem choros ou urros…
Nem pelos pais ou filhos, sem família nem avós
Nem mães, nem irmãos,
Sem mãos, sem dó e sem voz
Não será por nada nem ninguém
Que haverá o perdão.
Não será pelas vozes ásperas
Vestidas de falas mansas
Carregadas do veneno
Que lhe dá asco
Não!
Não será pois pelo passado em que o abandonou ele
A si primeiro que todos,
Que tudo
Por uma cave,
Por uma cama feita de lixo
e por um cobertor gasto
onde se enrolou como um bicho.
-Não!
A porta que se fechou ecoou pela escadaria
Ecoou o desprezo e a solidão
Ecoou a luz,
ao fundo…no sótão.
Ecoou sozinho o peso perdido do mundo…
Perdoar?
Perdão?
Não.

-Perdoar é divino.

Está velho
E apoia agora sobre o cajado toda uma vida
Todo um pesar de uma vida.
E sofre toda uma vida.
É senhor da sua casa.
Dizem que perdoar é divino
Mas nem deus nem o diabo lá entram
A casa é sua.
É senhor
Está velho.
Perdoar?
Não.
Está velho demais para perdoar.





domingo, 20 de junho de 2010

Tradição

O cheiro do porco pendurado no meio da sala é intenso. Passa por baixo da porta e entra pelo quarto, agressivo. As gotas de sangue, que vão caindo no alguidar meio cheio bem por baixo do porco, rasgam o silêncio da noite.
Durante o dia era festa, aquelas festas das aldeias, onde se junta toda a gente e abunda a comida, o vinho, a doçaria e a água-pé. Festas de saudade e risos, que tanta vez sobe o grau à cabeça e se lava a roupa suja de décadas.
Os velhos encharcam-se pela tarde fora e juntam-se todos na mesa pequena a um canto, a jogar a sueca, matreiros. -E que não chateiem. Os pais juntam-se à sombra das uvas que se enrolam nos arames suspensos do pátio e relembram o tempo em que eram filhos. Os tempos da escola e as brincadeiras, lembram-se uns aos outros que eram filhos e que tudo era diferente. E os filhos, muitos, sem sequer se conhecerem, brincam e correm às gargalhadas por entre as pernas dos pais. Caem e levantam-se sozinhos como nunca, com as bocas cheias de doce e as mãos cheias de terra. E os joelhos em sangue.
-Sangue.
O alguidar vai enchendo gota a gota com o sangue que se esvai do porco preso ao tecto, de cabeça para baixo à moda do enforcado. Misturam-se os cheiros; a fétida morte, o suor e os hálitos que se embriagam pelas horas, o perfume e colónia barata que se apagam da pele com o fumo dos grelhados no carvão e a gordura das sardinhas. O vinho entornado ensopa na toalha e tinge a mesa de carmino. E as gargalhadas embevecidas aumentam, os olhos vão ficando amarelados e os corpos cansados. As crianças encostam-se num qualquer canto, imundas, suadas de inocência, e adormecem. Os queixos dos velhos já descaem pelo peito, de cabeças tombadas, sentados nos sofás com as bengalas encostadas às pernas. Os outros perdem-se na noite, nas memórias de noites semelhantes que passaram quando eram as crianças que corriam. Memórias de outras festas quando eram verdadeiras e a vida permitia. -Quando não havia mágoas e o sangue era outro.
Encheu o alguidar, secou o porco pendurado. As barrigas estão cheias. Está tudo pronto para acabar a festa.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O mundo não é meu





Mar de gente. Ondulação humana. São rochas marinhas. São espuma. O mar revolto e sem sentido, sem mexer, sem nada. Ondula porque sim.
Velhas sentadas no lancil e eu no topo de um monte de pedras soltas da calçada, por calcetar, a ver do alto.
São capas negras, bordadas de vida, às cores. Remendos.
São cegos na multidão que nem sabem quando aclamar. Não sabem quando parar. Sabem apenas porque sim. Cegos que se atropelam e arrastam e se escalam para ver o que não vêem. E não vêem. Todos olham mas ninguém vê.

Chuva de Maio. Primavera invisível. Um verão gelado, vento de leste e a chuva que lá está sem cair.
Vestem meias roupas: calções e camisinhas; saias curtas e decotes; alças e carne; e a tez pálida. E depois tapam-se. Tapam-se por cima das meias roupas, com pele defunta e cobertores da moda e falsos risos e sorrisos e hipocrisias. No fim choram os crocodilos na passerelle de vaidades.
Criticam o oxigénio, como se não respirassem. Aceleram de fumo preto; escape e borracha queimada. Gritam e assobiam ao mar è espera de resposta. Coitados… nem o eco lhes responde.
E pisam o jardim ao subir. Enterram os saltos altos na erva e sobem aos tropeços. E quando chegam ao cimo, ajeitam as calças, que são demais apertadas, 2 números abaixo mas fica bem. Não respira, mas fica bem. Dizem.
Depois descem a coxear. Mancos e a doer os pés. Fica bem.

Todos sabem tudo. Mais que os outros, sabem tudo. Todos sabem tudo enquanto os outros não sabem nada. E passeiam as saias curtas de longas pernas arrepiadas. Vão subindo, mas descem a coxear, todos.
Eles sabem tudo e os outros não sabem nada. É um mar de gente na rebentação. E eu a espuma que a saltar no rochedo. É um mar de gente seca. E é no mar seco que ando molhado. Um dos outros que nada sabem.
Sei do beijo. Sei que ignoram a voz que ecoa nas paredes de pedra que me rodeia. Não grito mas também não respiro. Estou apenas. Sou. Sorrio.
O mundo não é meu.


sábado, 15 de maio de 2010

Apetece-me escrever... Apenas



Apetece-me escrever...Apenas.


Cresce a necessidade de escrever, apenas pelo prazer de escrever. Egocentrismo talvez... talvez não. Talvez Arte. Talvez gosto. Talvez tudo. Nada.

Os dedos frios insistem chorar na folha gritos mudos da minha alma. Por vezes de tudo. Por vezes de nada. Por vezes, apenas.

Pequenos sonhos de ver as palavras, choradas por estes dedos desfigurados, impressas nas folhas que os olhos desconhecidos de quem quiser possam ler e depois, fecharem o livro e pousá-lo, adormecido, como se fosse eu que repousasse ali, e sussurrasse baixinho as lágrimas que me correram pelos dedos.

Apetece-me escrever. Cresce o gosto de escrever pelo escrever. Gosto de ler, de criar. A necessidade.

Apetece-me escrever... Apenas.

sábado, 3 de abril de 2010

O felino




O felino passeava pelos quartos à noite. No escuro, esgueirava-se pelas portas entreabertas e espreitava a ausência dos corpos pelas esquinas. Via o saracotear das sombras ao choro do espanta espíritos que pintava o silêncio.
Pela janela avistou os navios atracados, presos ao luar. Inertes, como estátuas de pedra e cal numa qualquer praça vazia de tudo. Como um vasto desértico istmo, que separa a vista do sonho. Sem horizonte. Pensava como seria para lá do vidro que o prendia.
Abriu-se a porta que nunca esteve fechada. A tépida brisa deslizou pelos mosaicos, rebolou-se pelas paredes sem cor e afagou-lhe o sedoso pêlo prateado. Soltou um ronronar mudo ao sentir aquele cobertor de carícias. Lambeu-se e provou aquela melosa oressa que lhe adoçou a língua e lhe aqueceu a garganta. Espreguiçou-se em deleite, e seguiu.
Vagueou pelas ruas sem destino. A humidade pintava as paredes dos edifícios e as vitrinas embaciadas tinham começado a suar. As gotas que escorriam descobrindo os manequins despidos em poses naturais que espreitavam para lá do vidro sem qualquer expressão.
Chegou ao porto. Aquela necrópole de correntes ferrugentas mergulhadas no mar morto, negro. O mar não cantava. Nada mexia. Não havia ondas. Os navios choravam vermelho e em vez de serem gaivotas, nos mastros pousavam corvos. E a lua começava a fugir, mergulhando no mar vazio. Um sol alaranjado espreitava por entre pára-raios que arranhavam os céus. O véu de minúsculas gotículas começava a pousar na calçada enegrecida. O que se escondia nas sombras de prata revelava a panóplia de cores que acordava aos poucos. A cidade estava a acordar. Nasciam vapores das chaminés e das grelhas no chão. O som dos saltos altos a bater no chão multiplicava. Passos lentos e rápidos. Sapatos e mais sapatos. E pernas de um lado para o outro. Uma mistura de perfume barato, suor, café e mais uma dezena de odores que se misturavam no fumo dos escapes. Do nada apareceram o rugir dos motores, as buzinas, os gritos. Barulho.
O coração batia mais rápido que nunca. Tudo mexia. Tudo passava e gritava. Debaixo de um contentor que fedia a comida podre e pingava pelo rebordo um molho esverdeado imperceptível e mucoso, o gato encostava-se ao canto mais afastado das sapatadas violentas no passeio. Escondido, o seu corpo tremia. A cada piscadela, vertia uma lágrima dos olhos. Um e outro pêlo soltava-se e desaparecia pela rua a flutuar. Fechou os olhos e lembrou-se de como era estar na sua poltrona almofadada, na sala, e passear pelo silêncio de casa, roçar-se pelas esquinas das paredes e, sorrateiramente, enfiar-se por baixo dos lençóis e deitar-se aos pés da cama. Segurou-se a essa imagem e esperou.
Quando caiu de novo a noite, e assim que os sapatos se afastavam e os passos acalmavam. Quando os motores e as buzinas se calavam. As vozes iam sumindo, as portas fechando e os manequins eram despedidos. Quando a cidade dormia. Espreitou por entre as pequenas rodas do contentor e viu a rua vazia de novo. Viu o cobertor de gotas a pousar suavemente pelas ruelas e o porto morrer de novo. Ouviu um alarme ao longe a bater pelas janelas fechadas. Saiu debaixo do contentor e sem ver mais nada, correu. Os olhos abertos como faróis, dentes cerrados e as unhas a rasgar o alcatrão. Furou a brisa sem meiguice e correu em busca daquela porta entreaberta. Pelo silêncio do breu ouviu um choro sumido, um timbre familiar, e seguiu-o sem hesitar. Foi dar a uma porta escancarada onde o esperava, do outro lado, o meigo abraço do sabor a casa. Casa. Lar.
Depois do terno abraço familiar, depois de o tremor parar, mas antes de tudo mais, fechou a porta, aquela que nunca fechava. Fechou-a.
Regalou-se com o afago no pêlo e os dedos no pescoço. Deliciou-se com as festas por trás das orelhas e depois de uma lavagem minuciosa e uma bela espreguiçadela, foi-se esconder por baixo dos lençóis aos pés da cama à espera que os corpos se deitassem.
Entendeu que o vidro da janela que dava para o porto não o prendia, mas protegia, e por cada vez que via aquela porta entreaberta, passou a fechá-la.


Moon_T



(imagens pessoais)

domingo, 28 de março de 2010

Vício


Ainda te tenho o cheiro
Como um qualquer perfume caro.
Provo-te nos minutos
Guardados em mim.
Ainda te sinto a pele na ponta dos dedos,
O teu veludo na língua
E no meu peito o teu cetim.
Saboreio-te pelos dias,
Aguardo as noites em que me deito
No leito onde te estiraste
Para poder voltar a cheirar
O perfume que em mim deixaste.


Moon_T

segunda-feira, 22 de março de 2010

filho

Hoje lembrei-me do filho mais velho. Lembrei-me com nostalgia. Como me aquecia, morno. E como ainda me aquece lembrar-me dele. Recordo quando o vi pela primeira vez, tão pequeno. E como o amei desde o inicio. Aquecem-me as memórias das suas brincadeiras desajeitadas, da troca de carinhos, dos nossos arrufos. Aqueço. E depois as minhas ausências. Que tinham de ser, porque a vida assim o exigia. E como a sua mãe me contava o quanto ele me sentia a falta. O quanto ele me queria. Que quase chorava quando eu partia. E nessas alturas, o como eu ficava orgulhoso. Custava, mas ficava orgulhoso de saber que gostava dele como ele gostava de mim. Sabe tão bem sabe-lo. Redimia-me daquelas vezes que lhe ralhava e nos chateávamos, ou mesmo das alturas que não lhe ligava porque não estava para ralhar, só porque não. Na redenção, dava-lhe carícias, e doces, e prendas, mimos gratuitos que sempre tiveram troco. Sempre.
Custou-me quando saí de casa. Custou-me mais ainda quando, saído de casa, o soube doente. Morri mais um pouco quando o quis ver, e por muros e barreiras intransponíveis, levantados pela dor infantil de adultos, não lhe consegui tocar. Nunca mais. Nunca pensei que fosse algo demasiado grave, pois todos sabiam o quanto o gostava e nunca me esconderiam algo relevante. Errado.
Liguei para lhe ouvir a voz. Para falar. Para saber dele. Para ele saber de mim. Sempre quis saber. E sempre nada. Sempre me lembro dele e sempre gosto dele.
Lembro-me de o ver com o mais novo a brincar. Inseparáveis, os rufias. O mais novo, com os dentes tortos desde sempre, com as brincadeiras ruins, a aleijá-lo, e ele nada. Pacifico. Que rufias, os dois.
No natal o telefone tocou. Era grave afinal. Estava doente, dizia ela a chorar. Era grave e nada me disse. E morreu. Morreu. Quis ofendê-la. Queria lhe bater. Não me disse. Não me deixou vê-lo. Nem uma última vez me deixou vê-lo. Nem para me despedir. Nem me despedi. Não o vi pela última vez. Morreu. Morreu e nem o vi pela última vez.
Lembro-me de ti, filho. Não me esqueço. Quero a minha última vez.
Não me esqueço.





Moon_T

quinta-feira, 18 de março de 2010

Passados dias a saudade intensifica

Passados dias, a saudade do toque intensifica. Assaltam os sonhos. A sede do sabor que cresce ao minuto. O suave toque aveludado das linguas a enrolarem-se, o cheiro dos cabelos no peito, o calor dos corpos unidos. O teu corpo…
Grita a saudade de percorrer as tuas curvas com as mãos fartas de pele. De morder os mamilos no eco de um gemido. O som do ar a ser sugado por entre os lábios, enquanto me perco entre as coxas que se me roçam na face. O sentir do teu sabor nos lábios, a invadir-me o corpo. Os mamilos a descerem-me o peito, como carícias, como beijos do teu corpo no meu, até ao fechar dos olhos.
A mistura perfeita de saliva e sémen.
O sentir do húmido convite do teu sexo ao meu. O rasgar do silêncio ofegante com as unhas nas costas e os dedos no pescoço. As pontas dos dedos que escorregam pelo suor da noite em busca de nós. Em busca dos corpos que se perdem e se misturam.
O perder o Norte na entrega total, quando se entregam os corpos no interior um do outro.
Passados dias, meses, anos, grita-me a saudade e sei que te quero.









Moon_T

segunda-feira, 15 de março de 2010

morte




morte com letra minúscula. Pequena. Daquelas mortes que se morrem aos poucos. Que valem muito. Que valem tudo. Mas de que nada valem. Quantas mortes pode um homem morrer, pergunto. Conhecem-se tantas mortes, de tanta gente, tantas. Morre-se aos poucos. Morrem-se as pessoas em nós e nós nas pessoas. A morte gasta-se, pergunto. Vai-se gastando. Vai nos gastando.
Morre-se; morreu jovem quando partiu da terra para a guerra, morreu e fez-se homem. morreu quando os pais morreram e levaram uma parte com eles. morreu quando o filho saiu de casa contra a revolução e foi para o estrangeiro. Por cada vez que voltava morria mais um pouco. Morriam ambos. morreu a esposa, senhora já de idade, como ele, e lhe morreu mais um grande pedaço quando viu que o seu marido já não acordava. Com ele morreu um pedaço da esposa, do filho no estrangeiro, e da filha que já tinha morrido tantas outras vezes como o irmão. Teve um filho. Filho único. De um pai que morreu ao selar a carta de despedida quando abalou. Que morreu dois anos e voltou. Que lhes morreu um tanto; à mãe e ao filho, que morreram sem aviso. A mãe que morreu umas vezes e umas vezes foi morrendo com o espaço e o tempo que passaram. E o filho que morreu e saiu. O filho que foi viver e foi morrendo. Que morreu quando morreu por uma vida. E morto esteve meses. Meses que foi morrendo; pelo gargalo, pelos dias, pelas noites, foi morrendo. E morto levou algumas mortes consigo. Foi morrendo e nasceu de novo. Nasceu novo, depois da morte. Nasceu-lhe nos olhos e no sorriso. Nasceu-lhe nos olhos negros. Olhos negros que matam. Nasceu de novo e vai morrendo com os dias. Morrem no beijo. Vão morrendo. Matam.
A morte é isso; são os dias que passam. Os dias que acabam em noites. E as noites inteiras que acabam nos dias. A morte é aquela lágrima que cai sem se ver. É a resposta que não chega. A morte é as palavras que não se dizem. As palavras que não se ouvem. A morte é as palavras que se ouviram. É a voz sorrateira na nuca que invade e questiona, sem nunca haver resposta. A morte. Sente-se. Sabe-se. E como morro.
A morte é todos os dias. Morre-se ao viver. Morre-se a viver. Sempre. A morte é uma pergunta. Quantas mortes pode um homem morrer, pergunto



Moon_T

quarta-feira, 10 de março de 2010

O que escrevo são sombras do meu pensamento




“ O que escrevo são sombras do meu pensamento. Ecos. Fragmentos de ecos que se soltaram pelos corredores ocos da alma obscura. Nunca perceptíveis no seu todo. Nunca o suficiente para as traduzir no papel. Nunca a sombra completa. Nunca tudo.
O que escrevo são apenas os fragmentos de sombras que a minha mente me permite entender. Sombras que são como o reflexo disforme do que é. Como um espelho distorcido num corredor de uma casa de espelhos numa qualquer, macabra, feira popular.”




Moon_T

terça-feira, 2 de março de 2010

Insomnia

Sei bem que não é fácil abrir os olhos naquele quarto vazio, escuro. A sensação de os abrir e manter o breu presente numa ausência de tudo.
A inércia que nos envolve e nos aquece numa conciliação de nada com o tudo que não existe à nossa volta.
O ouvido no peito e a palpitação latejante nas têmporas que se faz ouvir por entre os ecos de uma memória sem glória… inglória… não há glória.

Uma perfeita e tépida dormência que nos abraça pelos cantos obscuros da nossa alma deturpada, outrora virgem.

Não é o dormir que assusta.
Não é no acordar que reside o receio.
O que apoquenta, é precisamente este meio-termo.


Moon_T

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Absurdo


Sonho; despir-me da realidade, descalçar-me da lógica. Nascer num qualquer outro sítio irreal. Surreal. Viver segundos eternos de uma vida à deriva. Viver entre os segredos. Correr descalço sobre um caminho de nuvens. Morder a língua da sombra e vê-la fugir de mim, e depois voar em acrobacias mortais e apanha-la de novo só para mim.
Falar com ninguém de boca fechada. Conseguir ler olhos mudos e beber palavras perdidas.
Sonho despir-me da realidade, descalçar-me da lógica, correr descalço por entre os pingos de chuva, saltar, e mergulhar num imenso lago de ridículo.




Moon_T

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Desaperta o colarinho



"Pensou; Desaperta o colarinho. Desamarra a gravata. O quente, o vapor, o calor, sobe pelo corpo e aperta o pescoço. Afoga. Sufoca. O cigarro já está morto mas vive ainda na garganta. Queima. Arranha. Áspero. . . Desce o fogo pela garganta arrastado pela saliva, e escorrem pelas costas, lentamente, as carícias do salgado suor. A roupa aperta. . . E aquece. O mundo todo pela gravata que se prendeu ao pescoço num longo abraço sufocante. Respira. Inspira. Respira enquanto o mundo passa. O mundo todo passa. . . O mundo passa e aperta. O mundo passa num aperto. Desaperta o colarinho."




Moon_T

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Torre de anjo




Por entre o Caos, um rasgo de silêncio chamou. Desviando-se das cartas espalhadas pelo chão acidentado que fora outrora um castelo, cambaleou em busca da fonte daquela brisa que, em silêncio, gritava seu nome.
Atravessou a ponte, ganhando consciência dos olhos répteis que o fixavam de esguelha escondidos nas folhas verdes escurecidas pela noite.
Uma chuva de prata iluminava a Torre que emanava ondas invisíveis de silêncio, que ao tocar na pele, lhe aqueciam o peito e lhe permitiam respirar como nunca antes o tinha feito.
Em baixo, à entrada, uma porta dupla que, até a um gigante, mais faz sentir um insecto, obstruía-lhe a passagem. Baixou a cabeça ao ver impedido o acesso ao interior daquela Torre que tanto o fascinava e atraía.
Ao encostar-se em desespero, qual não foi o espanto que aquela imensa porta estava aberta… Abriu-a lentamente e, suavemente, ouviu-se o gemido sussurrado que era o seu ranger.
O cheiro a sândalo descia pela escadaria em caracol. Iniciou a subida em espiral sem sequer dar importância ao facto de não haver corrimão. Passou as mãos trémulas pela pedra fria que vestia as paredes e sentiu a sua textura rugosa, porosa, como pele. À medida que o topo se aproximava, a melodia envolveu-o aquecendo-lhe o peito … e as cartas e baralhos e castelos que dantes o assombravam perderam o significado. Não desapareceram, não! Simplesmente, ganharam outro valor.
Ao chegar ao cume, deparou-se com um ninho escarlate, macio e suave. Puro. No seu centro jazia uma criatura linda e frágil. Nua e feminina. Em posição fetal, notavam-se as cicatrizes de lutas passadas tatuadas na pele suave. Cabelos escuros, lisos, serpenteavam-se pelos ombros. Seus olhos negros, abriram-se lentamente e olharam-no nos olhos, como se tivessem captado a mesma essência que ele mesmo captara ao deparar-se com tal etéreo anjo. Ao segundo olhar tomou consciência de que era realmente um anjo… um anjo que perdera as asas.



Moon_T

domingo, 31 de janeiro de 2010

Choro Amo-te




A meia-luz enleia os copos suados
Paira o fumo no perfume
E com estes olhos que te anseio, molhados…
E com estes lábios que te desejo, perenes,
Choro amo-te.


De corpo cheio de nada
Na paisagem vazia
No escuro de um sentido proibido…
Perdido,
Choro amo-te


Na meia-luz que esconde o copo,
Meio vazio e cheio de nada…
No fumo e no perfume,
Choro amo-te…


E quando tudo parece tranquilo
E quando o tempo foge pelos dedos…
Quando o fica o corpo dormente... por ti,
Choro amo-te.

Choro amo-te,
Dormente,
Demente,
Sozinho…
E longe de mim.




Moon_T

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Sabes-me bem




Sabes-me bem
O teu sabor agridoce ecoa-me na garganta
Até quando o toque é frio me queima.
Aqueces-me.
Aceleras-me.

Imagino, penso, sonho…
Passo pela linha intermitente à deriva no alcatrão,
Subo pelo mundo
E beijo-te.



Moon_T

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma carta que não foi escrita





Recordo os sorrisos dessas gentes que enchiam a sala. Relembro as conversas que passavam a tertúlias finando-se em monólogos de lágrimas e abraços. Filosofias pessoais e intransmissíveis que eram, no entanto, partilhadas e vividas e sentidas como se fossem próprias, como se fossem reais. Os mantos de estrelas e as lágrimas camufladas de sorrisos. A partilha. A amizade através das fronteiras e da diferença. A indiferença para com os outros porque se sabia… porque se sentia.
As manhãs de morte. As manhãs mortas. E, sem dúvida, as manhãs de morrer. O brinde dos finados. Os dias e as noites. A descoberta das palavras. A escrita. A escrita que não lês. Tudo. Tudo muda, mas continua a existir mesmo na ausência.

...e ficam as palavras que não se lêem.
Moon_T

Also...

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