segunda-feira, 21 de julho de 2008

Dissecação de um cinzeiro




Objecto singelo o cinzeiro. Concebido exclusivamente para a morte. Destruir cigarros e cigarrilhas, esses também utensílios de morte lenta.

É no cinzeiro que se amachuca o cigarro moribundo, que se sufoca a ponta incandescente, onde se extingue a sua luz avermelhada.

Quando limpo, um objecto decorativo simples ou complexo, exposto em lugares estratégicos com o intuito de embelezar a vista. Como? Como é que tal objecto de tortura como o cinzeiro pode alguma vez ser agradável à vista? Por muito limpo que esteja, nunca deixará de ser a campa da chama e do cigarro.

Quando sujo, cenário grotesco, sujo, imundo. Vala comum para cadáveres de nicotina. Anarquia de cinzas, defuntos queimados e maltratados, amarrotados e violentados cigarros que outrora brilhavam e proporcionaram momentos de prazer. Acalmaram a ressaca de nicotina e mataram o vício.

Recipiente que serve de repouso para quando os dedos se cansam de passear o cigarro. Nunca nega o apoio… descansam brasas sobre ele, libertando fumo em danças ascendentes rumo aos céus.

Irreconhecível valor que se lhe dá. Enquanto sobre ele a chama remói, corrói e destrói, permanece um cinzeiro, um simples cinzeiro.

Olhando bem para este jazigo de momentos de vício, reparo que até a um simples objecto banal do nosso dia-a-dia, devo ter em conta que a sua função não é simples ou fácil, ou agradável, porém, necessária. Deve-se respeito até ao objecto mais fútil porque existe… é.

(texto experimental sobre um assunto supérfluo e banal com intuito de, sem dizer nada , dizer alguma coisa)

By Moon_T







6 comentários:

By myself disse...

Conseguiste dizer muito sem nada para dizer, e obrigar-me a olhar várias vezes para o cinzeiro onde jazem já alguns defuntos. Acho que vou já dignificar a sua imagem...só não sei por quanto tempo.
Boa semana
Bjs

By myself disse...
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Anônimo disse...

Bom... muito bom mesmo.

Susana Júlio disse...

Os meus cinzeiros, que eram de colecção, mas mesmo assim usados, deixaram de o ser...há muito que não abrigam cinzas mas pó...objectos de passagens, de Marrocos, de Londres, de outros cantos e lugares...
mas das cinzas renasce o mais nobre animal, as mais belas palavras quando da alma se eleva o torpor...

E neste belo texto em que dizes que não dizes nada dizes tudo, esvazias a alma e deves sentir-te muito melhor...de certeza.

beijo em fio.

Azul disse...

Creio que disseste muito mais do que aquilo que possas pensar.

A mim... fez-me pensar, mais uma vez, que tenho de perder o vicio de sujar cinzeiros :)

beijo
Azul

Som do Silêncio disse...

Que mais poderei dizer?
Faço minhas as palavras da minha amiga Azul :)

Beijo terno

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